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Dra. Aline Bortoletto

Os componentes da cachaça e a qualidade química da bebida

Escrito por Aline Bortoletto.


Muito se fala sobre qualidade sensorial da bebida, mas ela é reflexo de todas as moléculas presentes no líquido em interação. Saiba mais lendo o texto abaixo.


cachaça, qualidade química, processo de produção


A boa qualidade da cana é imprescindível para uma boa qualidade do produto final

As Boas Práticas de Fabricação – BPF para cachaça e aguardente são procedimentos que devem ser aplicados em todas as etapas do processo de produção a fim de garantir e controlar a qualidade final da bebida. O controle da qualidade da matéria-prima, a fermentação e a destilação são etapas consideradas Pontos Críticos de Controle – PCC, os quais carecem de maiores cuidados e monitoramento para evitar alterações microbiológicas durante a produção e, consequentemente, alterações químicas na bebida final.


O que ocorre na fermentação?


Durante a fermentação são formados os principais compostos que influenciam ativamente na composição do destilado, sendo imprescindível a implementação de procedimentos de higiene com a finalidade de reduzir a contaminação microbiana e preservar a qualidade química e sensorial da bebida. No entanto, a qualidade da bebida dependerá também da forma pela qual é conduzida a destilação.


 

Destilação e a qualidade química da bebida


Os compostos voláteis destilam segundo três critérios: temperatura de ebulição, afinidade com álcool/água e teor alcoólico no vapor durante a destilação, sendo que em função do grau de volatilidade, o destilado é dividido em três frações: “cabeça”, “coração” e “cauda” .


O procedimento mais importante é a separação das frações “cabeça” e “cauda”, onde se elimina boa parte dos contaminantes. O “coração” é a parte do destilado que dará origem à bebida e, portanto, deve ter a composição ideal para que não ofereça riscos à saúde do consumidor e caracterize a qualidade sensorial típica da bebida. A fração “coração” contém todos os congêneres, porém em menores concentrações que as frações “cabeça” e “cauda”, o que resulta em um destilado equilibrado do ponto de vista sensorial e não prejudicial à saúde do consumidor.


O que contem na fração cabeça?


A fração “cabeça” deve ser separada do destilado final por conter altas concentrações acetaldeído, acetato de etila e metanol.

O acetaldeído é o principal aldeído presente na aguardente e quando em excesso é um dos agentes responsáveis pela ressaca, sendo metabolizado no organismo pela enzima aldeído-desidrogenase, que o converte em acetato.

O acetato de etila corresponde a cerca de 80% dos ésteres na cachaça e sua produção ocorre principalmente durante a fermentação, mas também após a destilação, pela esterificação entre álcoois e ácidos da bebida. É responsável pela caracterização de aroma frutado, com notas de maçã, pêra, framboesa, pêssego e groselha; porém quando em alta concentração (acima de 200 mg/100mL de EA) promove aroma e sabor enjoativo para a bebida.


Metanol e sua neurotoxicidade


O metanol é um álcool mais leve que o etanol, portanto é destilado com maior facilidade. A presença deste álcool em bebidas é indesejável devido à sua toxicidade, sendo resultante da degradação da pectina do bagacilho da cana que pode estar presente durante a fermentação. O ácido péctico é um polímero de ácido galacturônico, que não apresenta metoxilação e que forma colóides em água, enquanto que o ácido pectínico apresenta metoxilação em graus variados e pode ou não ser solúvel e água.


A contaminação via acidez acética


A fração “cauda” é rica em ácido acético e furfural, o que é indesejável na aguardente. O ácido acético é o composto responsável pela acidez da bebida e sensação de ardência e pungência após a deglutição e gera rejeição sensorial.

Está ligado à contaminação de bactérias acéticas durante e após a fermentação. A acidez elevada é promovida também pela oxidação do etanol em acetaldeído, e posteriormente ao ácido acético, o que aumenta progressivamente após o envelhecimento da bebida.

O furfural pode ser formado pela pirogenação da matéria orgânica, tais como o uso de cana queimada para a produção da aguardente e a presença de resíduos de leveduras e de açúcares, durante o aquecimento do vinho.


O envelhecimento e as moléculas do destilado


O processo de envelhecimento da aguardente também acresce a concentração deste composto e do 5-hidroximetilfurfural, visto que é derivado das macromoléculas constituintes da madeira. O excesso de furfural possui impacto sensorial negativo, contribuindo para o sabor ardente da bebida. Portanto, é desejável o controle da temperatura durante a destilação e do corte da fração “cauda”.


Os álcoois superiores e suas influências na qualidade química e sensorial


Os álcoois superiores (isobutanol, 1-propanol e isoamílico) são produzidos pelas leveduras durante a fermentação e contribuem para a caracterização sensorial da bebida. Porém, quando em excesso, podem causar efeitos negativos. A principal via de controle da produção em excesso desses álcoois é a manutenção da temperatura ideal durante a fermentação (28º a 32ºC), fazer o uso de leveduras selecionadas, controle do pH do mosto, assim como evitar intensa oxigenação nos tanques de fermentação e longo tempo de espera para a destilação.


O metal cobre do equipamento de destilação


O cobre é o material mais utilizado nas construções de alambiques, pois tem a capacidade de catalisar reações químicas e contribuir na eliminação de odores desagradáveis. Com a formação do azinhavre (carbonato de cobre), nas paredes internas do alambique, o excesso de cobre pode passar para a aguardente e contaminar o produto final. Aguardentes com teores elevados de cobre ocorrem pela inadequada do alambique. Para reduzir a formação do azinhavre das paredes do alambique, recomenda-se manter o alambique e as serpentinas cheias de água durante os intervalos entre uma destilação e outra. A água reduz a oxidação do cobre, evitando a formação do azinhavre e a consequente contaminação da aguardente com o metal. Outro método de limpeza do alambique é a destilação prévia de solução de ácido acético, pois a acidez auxilia na eliminação desse contaminante. Por ser considerado um metal tóxico e contaminante da bebida, a legislação estabelece o limite máximo de 5,0mg do metal por litro de aguardente. No entanto, o cobre é um metal essencial ao organismo humano, sendo amplamente distribuído nos tecidos biológicos e exercendo atividade enzimática. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, a ingestão diária recomendada - IDR de cobre é de 2mg/dia, o que corresponde ao consumo de 400mL de aguardente contendo a concentração máxima de cobre permitida, ao considerar somente a concentração de cobre proveniente da ingestão da aguardente. Para oferecer toxidez ao organismo humano, haveria a necessidade da ingestão de 7 litros de aguardente contendo a concentração máxima de cobre permitida.


O que é o carbamato de etila e como ele ocorre?


O carbamato de etila - CE é um composto potencialmente carcinogênico que normalmente está presente em bebidas destiladas, sendo este o maior fator de exposição humana (EFSA, 2007). Em agosto de 2014 entrou em vigor seu limite crítico em 210µg/L para cachaças e aguardentes brasileiras. No entanto, alguns países exigem menores concentrações para admissão em seu mercado, o que assume uma barreira à exportação. Ao longo da produção da aguardente, a presença de diversos precursores contribui para a formação do CE. Os chamados precursores são compostos como ureia, citrulina, N-carbamil fosfatos e cianeto, produzidos durante a fermentação e presentes no liquido recém destilado. Alguns estudos constatam que uma das principais vias de formação pode ser considerada a degradação enzimática de glicosídeos cianogênicos presentes na cana-de-açúcar. Outra via de formação considerável é a da ureia, fonte nitrogenada normalmente utilizada na suplementação nutricional para leveduras em mostos industriais. Relatos científicos apontam demais fatores envolvidos na formação do CE, tais como tipo de levedura, subprodutos do seu metabolismo, contaminação bacteriana, temperatura de fermentação, teor alcoólico, acidez e pH.


Como deverão ocorrer as separações das frações do destilado?


A maioria dos pequenos produtores de cachaça de alambique, utiliza equipamentos simples para a destilação. O procedimento da destilação simples consiste em completar a carga de vinho no alambique, aquecer lentamente, e assim que iniciar a condensação dos primeiros vapores, deve-se separar o volume da fração “cabeça” corresponde ao recolhimento de 1 a 2,0% do volume total de vinho na caldeira. A fração “coração”, que dará origem à aguardente/cachaça, corresponde ao destilado recuperado após a fração “cabeça” e até que o teor alcoólico do destilado na saída do condensador atinja 38 a 40% (v/v), resultando em concentração alcoólica média entre 42 e 48% nesta fração do destilado. A fração “cauda”, também conhecida como “água fraca”, é destilada após a fração “coração” e até que o destilado na saída do condensador apresente-se isento de etanol.


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