Escrito pela Dra Aline Bortoletto 27 de dezembro de 2021
A contaminação dentro da indústria de bebidas pode ser proveniente de diversos perigos: físicos, químicos e microbiológicos. Na cachaça, os riscos microbiológicos são isentos no produto final, pois este poderá ocorrer durante o processo de produção e gerar os contaminantes químicos tão prejudiciais à qualidade da bebida. Os perigos físicos são em geral prevenidos no envase adequado, filtração eficiente e inspeção visual na garrafa e podem ser sanados facilmente.
A contaminação química é certamente o foco da qualidade em destilados, destacando-se com alguns componentes bastante comuns em praticamente todos os destilados do mundo. A Cachaça de boa qualidade, registrada de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) garante um produto com baixos teores ou isento de contaminantes químicos. Dessa forma, a prática contínua da melhoria do processo de produção visando redução de contaminantes deve ser aplicada em toda destilaria que deseja garantir a qualidade e segurança de seus produtos.
As Boas Práticas de Fabricação – BPF da cachaça são procedimentos que devem ser aplicados em todas as etapas do processo de produção a fim de garantir a qualidade final da bebida. O processo de fermentação, realizado pelas leveduras, transforma os açúcares presentes no mosto em etanol e gás carbônico como produtos principais. No entanto, diversos outros compostos secundários são também formados, em quantidades menos relevantes, tais como ácidos carboxílicos, ésteres, aldeídos e álcoois superiores. Esses compostos, denominados congêneres, participam ativamente do aroma e do sabor de bebidas destiladas. A destilação da cachaça visa a obtenção de um produto de qualidade química, determinada pelo cumprimento dos parâmetros e limites críticos de compostos contaminantes e congêneres. A Instrução Normativa Nº13 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) estabelece o Padrão de Identidade e Qualidade – PIQ para aguardente de cana e para cachaça, cuja finalidade é padronizar a composição química destas bebidas e proteger a saúde do consumidor mediante o estabelecimento de limites mínimos e máximos para congêneres e contaminantes que podem estar presentes na bebida.
O acetaldeído é o principal aldeído presente na bebida e quando em excesso é um dos agentes responsáveis pela ressaca, sendo metabolizado no organismo pela enzima aldeído-desidrogenase, que o converte em acetato.
O acetato de etila corresponde a cerca de 80% dos ésteres na cachaça e sua produção ocorre principalmente durante a fermentação, mas também após a destilação, pela esterificação entre álcoois e ácidos da bebida. É responsável pela caracterização de aroma frutado, com notas de maçã, pêra, framboesa, pêssego e groselha; porém quando em alta concentração (acima de 200 mg. 100 mL-1) promove aroma e sabor enjoativo para a bebida.
O metanol é um álcool mais leve que o etanol, portanto é destilado com maior facilidade. A presença deste álcool em bebidas é indesejável devido à sua toxicidade, sendo resultante da degradação da pectina do bagacilho da cana que pode estar presente durante a fermentação. O ácido péctico é um polímero de ácido galacturônico, que não apresenta metoxilação e que forma colóides em água, enquanto que o ácido pectínico apresenta metoxilação em graus variados e pode ou não ser solúvel e água.
A fração “coração” dará origem à aguardente ou cachaça, contém todos os congêneres, porém em menores concentrações que as frações “cabeça” e “cauda”, o que resulta em um destilado equilibrado do ponto de vista sensorial e não prejudicial à saúde do consumidor.
A fração “cauda” é rica em ácido acético, furfural e 5-hidroximetilfurfural, o que são indesejáveis na cachaça e aguardente. O ácido acético é o composto responsável pela acidez da bebida e sensação de ardência e pungência após a deglutição. Está ligado à contaminação de bactérias acéticas durante e após a fermentação. A acidez elevada é promovida também pela oxidação do etanol em acetaldeído, e posteriormente ao ácido acético, o que aumenta progressivamente após o envelhecimento da bebida. O furfural e 5-hidroximetilfurfural podem ser formados pela pirogenação da matéria orgânica, tal como o uso de cana queimada para a produção da bebida e a presença de resíduos de leveduras e de açúcares, durante o aquecimento do vinho. O processo de envelhecimento da aguardente também acresce as concentrações destes compostos, visto que são derivados das macromoléculas constituintes da madeira. O excesso de furfural possui impacto sensorial negativo, contribuindo para o sabor ardente da bebida. Portanto, é desejável o controle da temperatura durante a destilação e do corte da fração “cauda”.
Álcoois superiores são produzidos pelas leveduras durante a fermentação e são compostos por álcool propílico, isobutanol e isoamílico. A presença desses álcoois na cachaça confere importância sensorial, porém quando em excesso causam efeitos negativos e desequilíbrio do buque aromático. As maiores vias para controle da produção desses álcoois estão em manter a temperatura da fermentação em torno de 28º a 32ºC, fazer o uso de leveduras selecionadas, controle do pH do mosto (≥ 4) e evitar intensa oxigenação no tanque de fermentação. A destilação em lenta velocidade também favorece a redução da seleção deste composto.
Os álcoois superiores, álcool butílico e sec-butanol são contaminantes produzidos por ação bacteriana após a fermentação, enquanto o vinho espera para ser destilado. A contaminação ocorre por falta de Boas Práticas de Fabricação (BPF) na sala de fermentação. São substancias difíceis de serem removidas por corte de fração do destilado.
O cobre é o material mais utilizado nas construções de alambiques, pois tem a capacidade de catalisar reações químicas e contribuir na eliminação de odores desagradáveis. Com a formação do azinhavre (carbonato básico de cobre), nas paredes internas do alambique, o excesso de cobre pode passar para a aguardente e contaminar o produto final. Cachaças com teores elevados de cobre indicam limpeza inadequada do alambique. Para tal, recomenda-se, manter o alambique e as serpentinas cheias com água durante os intervalos entre uma destilação e outra. A água reduz a oxidação do cobre, evitando a formação do azinhavre e a consequente contaminação da aguardente com o metal. Outro método de limpeza do alambique é a destilação prévia de solução de ácido acético ou suco de limão, pois a acidez auxilia na eliminação desse contaminante. Por ser considerado um metal tóxico e contaminante da bebida, a legislação estabelece o limite máximo de 5,0 mg do metal por litro de aguardente. No entanto, o cobre é um metal essencial ao organismo humano, sendo amplamente distribuído nos tecidos biológicos e exercendo atividade enzimática. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ingestão diária recomendada – IDR de cobre é de 2 mg/dia, o que corresponde ao consumo de 400 mL de aguardente contendo a concentração máxima de cobre permitida, ao considerar somente a concentração de cobre proveniente da ingestão da aguardente. Para oferecer toxidez ao organismo humano, haveria a necessidade da ingestão de 7 litros de aguardente contendo a concentração máxima de cobre permitida (OMS).
O carbamato de etila – CE é um composto potencialmente carcinogênico que normalmente está presente em bebidas destiladas, sendo este o maior fator de exposição humana (FAO). Em agosto de 2014 entrou em vigor seu limite crítico em 210 µg/L para cachaças e aguardentes brasileiras. No entanto, alguns países exigem menores concentrações para admissão em seu mercado, o que assume uma barreira à exportação. Ao longo da produção da aguardente, a presença de diversos precursores contribui para a formação do CE. Os chamados precursores são compostos como uréia, citrulina, N-carbamil fosfatos e cianeto, produzidos durante a fermentação e presentes no liquido recém destilado. Alguns estudos constatam que uma das principais vias de formação pode ser considerada a degradação enzimática de glicosídeos cianogênicos presentes na cana-de-açúcar. Outra via de formação considerável é a da ureia, fonte nitrogenada normalmente utilizada na suplementação nutricional para leveduras em mostos industriais. Relatos científicos apontam demais fatores envolvidos na formação do CE, tais como tipo de levedura, subprodutos do seu metabolismo, contaminação bacteriana, temperatura de fermentação, teor alcoólico, acidez e pH.
O controle da qualidade da matéria-prima, a fermentação e a destilação são etapas consideradas Pontos Críticos de Controle – PCC, os quais carecem de maiores cuidados e monitoramento para evitar alterações microbiológicas e químicas, que acentuam as concentrações de contaminantes e congêneres indicadores de qualidade. Todo produtor deve conhecer profundamente os pontos críticos do seu processo e implementar sistemas de garantia e controle da qualidade na produção da cachaça.
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